Wimbledon e um rescaldo luso

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A participação portuguesa em Wimbledon não foi tão boa como a de Roland-Garros, mas foi positiva. E há muito mais a dizer sobre a gradual presença lusa em múltiplos setores nos principais palcos da modalidade.

Por Miguel Seabra, em Wimbledon

E o melhor português na 138.ª edição de Wimbledon é… David Pires! Pelos menos no que à permanência no mais prestigiado torneio do ténis do mundo diz respeito — o fisioterapeuta luso do ATP Tour está de serviço no All England Lawn Tennis Club até ao fim-de-semana decisivo e esteve em destaque no Centre Court durante a segunda meia-final masculina. Aqui ficam algumas notas e reparos relativamente às três semanas na relva britânica, começando pelo setor mais importante: os jogadores, após uma notável campanha em Roland Garros com três elementos no arranque do quadro principal e dois na terceira eliminatória. Mas há que assinalar também o trabalho de outros noutras áreas (técnica, física) e que tem ajudado o ténis português a ganhar experiência ao mais alto nível. Porque toda essa vivência no circuito ajuda a engrandecer a modalidade no nosso país, de maneira direta ou indireta.

Nuno Borges

O maiato liderou por 5-2 e serviu a 5-3 para atingir os oitavos-de-final de Wimbledon. Não seria a primeira vez que lograria chegar a uma tal fase num evento do Grand Slam — afinal de contas chegou aos oitavos-de-final do Open da Austrália e do Open dos Estados Unidos em 2024. Mas seria a primeira vez na relva sagrada do All England Club. Exagerou num vólei alto de direita, mandou uma direita precipitada para fora e cometeu duplas-faltas, entregando de bandeja o contra-break a Karen Khachanov. “O que aconteceu?”, perguntei-lhe. “Aconteceu servir para chegar aos oitavos-de-final de Wimbledon”, respondeu. E foi exatamente isso que aconteceu: Wimbledon é Wimbledon, é a Catedral do Ténis. A perda de tão preciosa vantagem na quinta partida foi dura, mas Nuno Borges ainda se aguentou de maneira a jogar o tie-break decisivo. Foi correndo atrás do marcador, mas entretanto o ascendente já tinha mudado de lado e o gigante russo de ascendência arménia, bem mais experiente em tais andanças (top 20, ex-número 7, duas meias-finais em torneios do Grand Slam, medalha de prata olímpica e sete títulos ATP), galvanizou-se e foi melhor sucedido em brutais trocas de bola que caraterizaram a última meia-hora da maratona que ambos protagonizaram no Court 3. “Nunca me senti tão cansado na minha vida”, desabafou depois o nortenho. A síndrome da oportunidade desperdiçada terá potenciado a fadiga: é que pensar que esteve a pontos de poder decidir com o polaco Kamil Majchrzak o acesso aos quartos-de-final de um torneio do Grand Slam dá cabo de qualquer um.

Mas, mais uma vez, o nortenho mostrou ter muito jogo: um serviço que passa por ser o melhor da história do ténis português (que nunca teve grandes servidores), pelo menos enquanto Jaime Faria não sedimenta o seu potencial no circuito principal; uma direita que faz mossa e que é cada vez melhor complementada com amorties, uma esquerda de trajetória tão plana que por vezes faz assobiar a tela, boas incursões à rede. E há algo que poderia e deveria ser mais trabalhado no jogo de Nuno Borges: a linguagem corporal. Pode ser hábito ou feitio, mas baixa muitas vezes a cabeça e ‘desaparece’ por baixo do omnipresente boné; queria vê-lo de peito feito e queixo levantado, a ‘encher’ muito mais o campo com a sua presença. Porque isso é psicologicamente muito importante para o próprio jogador, para o adversário e até para os espetadores, como certa vez explicou Marion Bartoli depois de derrotar Serena Williams em Wimbledon. Mesmo que o número um português saiba cerrar os punhos no momento certo e tenha ganho já muitos duelos extraordinariamente competitivos, gostava de o ver mais ‘patrão’ e a preencher mais o court com a sua atitude.

E agora, o que se segue? A defesa do título de Bastad e dos correspondentes 250 pontos que lhe valem a presença no top 45 (é atualmente 35.º), depois terá a defender os oitavos-de-final no US Open em setembro. De resto… tem muitas semanas de torneios para ganhar pontos e reforçar o estatuto que já tem no circuito profissional masculino.

Jaime Faria e Henrique Rocha

Desta vez não se cruzaram em novo duelo fratricida, como sucedeu na primeira ronda do qualifying do ano passado, e fizeram melhor do que em 2024: Jaime Faria ganhou três encontros na fase de qualificação e cedeu na sua estreia no quadro principal de Wimbledon, embora pudesse ter-se exibido com mais intensidade e qualidade diante do excelente competidor que é Lorenzo Sonego; Henrique Rocha ganhou mais um encontro no qualifying do que em 2024. São eles os fiéis escudeiros de Nuno Borges na representação das cores nacionais e têm ambos grande margem de progressão. O que todos queremos é que façam jus ao seu potencial e que, numa dialética que já serviu positivamente outras rivalidades lusas (João Cunha e Silva/Nuno Marques, Bernardo Mota/Emanuel Couto, Rui Machado/Frederico Gil…), cresçam juntos para dar muitas alegrias ao ténis português.

Nos pares

Francisco Cabral e Nuno Borges, que não atuaram em conjunto, chegaram à segunda eliminatória da variante. Registaram belas vitórias na primeira ronda. Kiko com Lukas Miedler diante dos consagradíssimos Jamie Murray e Rajeev Ram, Nuno com Marcos Giron diante dos também laureados Robin Haase e Jean Julien Rojer; Cabral depois sucumbiu à dupla revelação checa, enquanto Borges devia pelo menos ter obrigado à discussão de uma terceira partida.

Miguel Fragoso e Nuno Lencastre

Para além da equipa técnica da FPT que acompanhou a presença dos três melhores tenistas portugueses em Wimbledon (e que é formada maioritariamente por ex-jogadores, como Rui Machado e Pedro Sousa), dois treinadores fora de portas merecem o devido destaque: Miguel Fragoso e Nuno Lencastre.

No apoio à lucky loser Solana Sierra, Miguel Fragoso conseguiu a proeza de catapultar a sua pupila até aos oitavos-de-final do mais prestigiado evento tenístico do planeta — batendo sensacionalmente a número um britânica Katie Boulter na segunda ronda e sendo apenas travada por uma Laura Siegemund em grande forma. O técnico de Torres Novas, com passagem pelo Clube de Ténis do Estoril, pela Ferrero Tennis Academy, pela Lozano Altur Tennis Academy e estando agora ao serviço da Rafa Nadal Academy, ganhou mais preciosa experiência em Wimbledon (não foi apenas o trajeto da sua jogadora; é também o contacto com outras jogadoras, técnicos e agentes da modalidade num ambiente de elite). Já Nuno Lencastre vem acompanhando há vários anos o australiano de origem balcânica Aleksandar Vukic, num processo que o tem levado a marcar presença cada vez mais assídua nos grandes palcos.

Luís Lopes

Enquanto preparador físico de Karen Khachanov acabou por, indiretamente, ser responsável pela eliminação do compatriota Nuno Borges — é que a condição física do gigante moscovita fez mesmo a diferença na ponta final do duelo com o maiato e não acusou o tremendo desgaste na ronda seguinte, o que só comprova o trabalho de qualidade de alguém que se destacou anteriormente ao serviço do Centro Nacional de Treino da FPT, da Federação de Ténis do Qatar e do ex-número 14 mundial Aslan Karatsev. Segundo nos referiu Karen Khachanov, foi precisamente através de Aslan Karatsev que conheceu Luís Lopes e está muito satisfeito com a integração do português na sua estrutura técnica.

Carlos Carvalho

É um dos muitos fisioterapeutas portugueses que se têm destacado no circuito profissional ao longo da última década e meia, vários deles na sequência da formação preoporcionada pelo antigo especialista checo do ATP Tour atualmente residente em Espanha, Michal Novotny — cuja mulher é portuguesa, o que facilitou essa ligação a Portugal. Depois de ter ajudado o ex-número um mundial de juniores Jiri Vesely a atenuar uma congénita propensão para as lesões (decorrente do facto de ter um pé significativamente mais pequeno do que o outro!) e de ter tido a louvável missão de massajar Anna Kalinskaya (pequena provocação: trata-se da bonita russa ex-namorada de Jannik Sinner…), o mirandense está atualmente ao serviço do possante Jiri Lehecka. Esperava-se mais do jovem checo em Wimbledon, onde já chegou aos oitavos-de-final, mas foi surpreendido na segunda ronda pelo italiano Mattia Belucci. Mas Jiri Lehecka é top 25 e parece destinado a integrar em breve o top 20.

João Sousa

O melhor tenista português de todos os tempos também passou por Wimbledon, onde atingiu os oitavos-de-final em 2019 (jogando diante de Rafael Nadal, mas o Centre Court não foi Aljubarrota nesse dia); desta feita, e já retirado da competição, nas suas funções de diretor de comunicação e fazendo a ligação do ATP Tour aos jogadores.

David Pires

Para último, o representante luso que mais longe chegou na 138ª edição de Wimbledon: David Pires, que há já alguns anos é fisioterapeuta oficial do ATP Tour. Tem uma vida no ténis, foi jogador e é profundo conhecedor da modalidade que escolheu bem jovem (ao contrário de outros fisioterapeutas nacionais no circuito); estar de serviço na parte final do mais prestigiado torneio de ténis do planeta é sempre uma honra e um reforço no seu currículo. Nas meias-finais, prestou mediática assistência a um Novak Djokovic que pareceu diminuído na sua condição física desde o início do encontro; e o certo é que o sérvio, logo após ter recebido tratamento de David Pires, começou da melhor maneira a terceira partida, fazendo o break a Jannik Sinner e chegando aos 3-0… embora não tenha durado muito mais.

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Autor: Miguel Seabra